quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Vamos falar sobre reviews "imparciais" e objetividade


Imparcialidade, review... Duas palavras que aparentemente têm muito a ver uma com a outra, segundo uma grande parcela das pessoas na internet. Normalmente as que você encontra por aí em seções de comentários de reviews de jogos, de animes, filmes, séries, álbuns musicais, qualquer merda que dê pra escrever uma review a respeito. Mais comumente, as pessoas que falam sobre imparcialidade o fazem quando não concordam com o que tá na review, e em 99% das vezes é quando a review não está sendo lá muito positiva sobre algo que o comentador gosta. Aí pronto, o que mais rola é comentário de "essa review é ruim porque ela não é imparcial" e derivados, porque aparentemente uma pessoa que escreve uma review precisa ser imparcial pra que a sua palavra tenha credibilidade!

... Ou será que não?

Em primeiro lugar, nós precisamos dar uma olhada nas definições dos termos "review" e "imparcialidade" pra poder ter alguma base. Como "review" é um termo em inglês, vou usar a definição traduzida do Collins Dictionary, já que não parece ter uma página de dicionário BR que defina o termo e também não um equivalente brasileiro exato, os mais próximos sendo "crítica", "resenha" e "análise", mas as definições desses se diferem um bocado. Dito isso, vamos lá.

Review: Uma reportagem da mídia na qual alguém dá sua opinião sobre algo como um novo livro ou filme. 
Imparcialidade: Equidade; qualidade da pessoa que julga com neutralidade e justiça; característica de quem não toma partido numa situação.

Sim, olhe bem pras partes destacadas das duas definições. Elas não parecem meio contraditórias? Quer dizer... Eu não sei vocês, mas eu nunca vi uma pessoa opinar sobre alguma obra sem tomar partido, ela vai dizer que a obra em questão é boa, ruim ou mediana... Sempre, em qualquer review você vai ver isso, qualquer uma.

"Ah mas esse cara aqui o Mictor Viller do Planeta Casseta faz review imparcial e-"

Não, ele não faz. Sabe o que ele faz? Ele meramente passa a ilusão de que está sendo imparcial na review dele, muitas vezes usa palavras difíceis e se expressa de forma vaga, mas lendo o texto ou vendo o vídeo da pessoa com atenção, é muito fácil identificar o exato momento onde ela expressa algum gosto, desgosto ou indiferença para com a obra ou aspectos dela. E a partir desse exato momento, o Mictor Viller do Planeta Casseta deixa de ter qualquer tipo de imparcialidade, pois ele tá tomando um partido enquanto fala a respeito da obra, e isso é o exato oposto de ser imparcial!

Mas espera, isso significa que a review do Mictor Viller do Planeta Casseta falando sobre Casseta Unleashed e como esse é um jogo de altíssima qualidade injustiçado pela mídia tendenciosa é inválida ou errada de alguma forma? Não, a review dele não é inválida ou errada por causa disso, ele pode ter esse ponto de vista extremamente positivo sobre Casseta Unleashed e mostrar o porquê dele ter essa opinião com os argumentos que ele apresentar no texto. O que vai determinar se a review do cara presta ou não é se os argumentos dele têm fundamento, se o que ele diz faz sentido com o que está no jogo e se é algo pelo menos compreensível mesmo que uma pessoa ou outra possa discordar por outros motivos. Porque review é isso, é a pessoa falando sobre o jogo, o filme ou o caralho a quatro do ponto de vista dela!

Quando eu vou ler ou assistir uma review, eu quero saber o que a pessoa que escreveu ou gravou tem a dizer sobre o negócio que ela tá abordando, independente de eu concordar ou não com essa pessoa. Se eu concordo, ótimo! Tem mais gente aí que pensa parecido comigo e a minha opinião está reforçada! Se eu discordo... Bem, aí depende do que a pessoa falou. Algumas vezes o motivo dela não ter gostado do negócio é exatamente o motivo pelo qual eu gosto, nós dois apenas temos motivos diferentes pra gostar/desgostar de tal coisa. Eu posso entender, ver sentido no porquê da pessoa não gostar e aceitar apesar das nossas diferenças, posso achar o que ela disse meio ou até completamente errado e querer discutir... Sei lá, mas com certeza eu não vou ir lá falar que ela não tá sendo imparcial. Sabe por que? Porque "review imparcial" não existe, é uma contradição. Como diz o Araújo do CapsLock, não dá pra escrever uma opinião sem dar a sua opinião. Inclusive, esse vídeo do CapsLock é sensacional, assistam.

Além do mais, vamos ser completamente honestos aqui: As pessoas que costumam soltar esses comentários de "unhéééé vc nn esta sendo imparcial" só o fazem quando convém pra elas. Como eu disse mais pra cima, quando a review não está de acordo com o que ela pensa, quando a review não diz o que aquela pessoa quer ler ou ouvir. Assim é muito fácil, né? Final Fantasy Tactics é o meu jogo favorito de todos, então todas as reviews desse título precisam ser ridiculamente positivas e ressaltar que ele é o melhor ou um dos melhores jogos já feitos, caso contrário essa review não está sendo imparcial! O autor da review está sendo tendencioso, dando opinião (que não é a que eu quero que dê) e etc.

Sabe como ficaria uma "review" completamente imparcial de Final Fantasy Tactics? Vou fazer uma bem curtinha aqui, olha:

Final Fantasy Tactics é um jogo de RPG tático desenvolvido pela Squaresoft. Em Final Fantasy Tactics você segue uma história onde eventos acontecem, entra em batalhas que envolvem táticas simulando um jogo de tabuleiro onde você tem que usar os seus personagens para derrotar os personagens inimigos. Os gráficos de Final Fantasy Tactics são gráficos de jogo 32-Bit mesclando sprites 2D com cenários 3D, e a trilha sonora de Final Fantasy Tactics tem músicas, estas músicas foram compostas por músicos que trabalham com música. No fim das contas, Final Fantasy Tactics é sem sombra de dúvida um jogo, você pode jogá-lo no Playstation 1, PSP e aparelhos celulares.

Pois é, imparcial. Não tomei partido nenhum, apenas descrevi o jogo do jeito que ele é.

O que? Você tá me dizendo que isso não é uma review? Pois saiba que você... Seu chimpanzé do Congo miserável... Está completamente certo! Lugar de imparcialidade não é em review, é em artigo da Wikipédia, em notícia, em qualquer tipo de coisa que necessite que a pessoa não tome partido. Mas review? Não, simplesmente não. Arrume um argumento melhor pra tentar invalidar reviews alheias, ou simplesmente refute os pontos que estão ali na review se você for capaz. Mas não fala uma merda dessa de novo não... Se não eu te dou um pescotapa e te obrigo a jogar Mortal Kombat: Special Forces pelo resto do dia, moleque fanfarrão do caralho!

Mas você deve estar pensando "Heh, que cara mais sem graça... Tudo pra ele é questão de opinião, tudo relativo" ou algo assim. Não, eu não sou uma pessoa tão rasa assim pra achar que é tudo relativo, até porque esse tipo de pensamento simplesmente mata qualquer tipo de discussão. Afinal, se é tudo relativo então qual é o ponto de discutir qualquer coisa? Qual o ponto de escrever reviews pra começo de conversa? Pois bem, isso nos leva a questão da objetividade, também muito falada atualmente.


Agora eu vou te fazer uma pergunta um tanto difícil, não te julgarei caso não saiba responder, é muito complicado mesmo. Mas pra quem sabe... Quanto é 2 + 2?

Se você respondeu 4, você acertou! Afinal de contas, duas unidades junto com mais duas unidades são quatro, isso está objetivamente correto. Outra coisa objetivamente correta é que o Sonic é azul, sim, dá pra ver claramente que a cor dele é azul, não há o que discutir quanto a isso. Eu tenho dois olhos, isso está objetivamente correto, pois contando a quantidade de olhos que estão na minha cara você vê que são dois. Objetividade é isso, uma realidade que independe do julgamento das pessoas. E o que isso tem a ver com reviews? Muita coisa, especialmente a ideia de que algo pode ser objetivamente bom ou ruim.

Eu já tive essa crença de que um jogo, um anime, um filme e algo do tipo pode ser objetivamente bom ou objetivamente ruim. Hoje em dia eu penso um pouco diferente, mas não quer dizer que eu tenha me tornado um relativista, isso eu tenho certeza absoluta de que nunca vou virar. Mas com o tempo eu acho que tenho um entendimento melhor do que é objetivo e o que é relativo, e que não dá pra resumir tudo a um ou outro.

Vamos pegar como exemplo Sonic '06: Um jogo lotado de falhas técnicas até o cu, com problemas de controles e uma engine instável ao ponto de bugar frequentemente e causar mortes injustas, física quase inexistente, sem falar do level design que muitas vezes não acomoda os controles que o jogo tem e parece inacabado em vários momentos. Esse jogo claramente foi feito às pressas, não tem quase nenhum polimento, e ele é considerado uma bela merda de jogo por mim e pela maioria das pessoas por esses motivos e talvez até outros. Isso quer dizer que Sonic '06 é um jogo objetivamente ruim? Bem... Não, porque tem gente que gosta desse jogo. Sim, não-ironicamente, tem louco pra tudo. Se Sonic '06 fosse objetivamente ruim, então ninguém deveria ser capaz de gostar desse jogo, mas não é esse o caso.

Agora calma lá, isso não quer dizer que eu ache que uma pessoa que afirmar que Sonic '06 é um bom jogo esteja tão certa quanto outra que diz que é ruim. Mas nem a pau! Isso pode até ser subjetivo, mas você provavelmente não vai conseguir convencer ninguém de que esse jogo não tem problemas técnicos e funciona bem, qualquer um pode pegar Sonic '06 pra jogar e notar que tem coisa estranha logo nos primeiros minutos de jogo. As falhas técnicas não te incomodarem sim seria uma coisa subjetiva, se você não ligou pros momentos onde o jogo bugou, aí é uma coisa da sua experiência pessoal com ele. Mas só porque você não ficou incomodado com as falhas técnicas do jogo, não significa que a existência delas deixa de ser uma realidade, e a existência delas causa o consenso de que Sonic '06 é um jogo ruim. Nada te impede de gostar, mas se for pra escrever uma opinião positiva, é melhor você procurar coisas que te agradam apesar das falhas técnicas pra citar, fica mais fácil de compreender dessa forma.

O mesmo vale pra um roteiro de um filme ou um anime. Se um roteiro é cheio de inconsistências, com coisas sendo estabelecidas e depois ocorrendo eventos que contradizem elas sem nenhuma explicação possível, e personagens que mudam de forma brusca sem muito motivo fora o de que o roteiro precisa que eles mudem em certos momentos... Claramente esse não é um roteiro que o autor fez com muito cuidado, né? Pois é, a maioria das pessoas vão achar uma obra com um roteiro assim péssima, mas outras podem gostar apesar disso. Talvez a pessoa que gosta não se incomoda com esses furos e inconsistências e dê mais valor a... Sei lá... Os temas que essa história aborda? As ideias apresentadas por ela? Só essa pessoa saberia responder mesmo, ou talvez ela nem liga muito pro roteiro do negócio e só tá vendo o anime pela arte, pela animação, ou tá vendo o filme pela cinematografia, pela atuação, qualquer outra coisa.

E sim, há tanto animes quanto filmes que não dão tanta importância pra roteiro, as histórias dessas obras mais estão lá pra dizer que tem uma história, o foco mesmo é, por exemplo, nas cenas de ação, com tiroteios, lutas com coreografias empolgantes, etc. Fãs de ação obviamente vão tirar muito mais proveito dessas obras do que uma pessoa que valoriza mais uma boa história, que seria o meu caso. Claro, eu ainda posso criticar essa obra, ela pode certamente ter apelo pra pessoas que gostam mais de ação, mas ao mesmo tempo... A obra não significa muito fora daquele tipo específico de coisa que ela faz melhor e agrada aquele tipo específico de público, e eu poderia dizer que isso torna ela pior do que aquele outro anime/filme de ação que consegue contar uma boa história apesar do foco maior em ação. Quer dizer, alguém pode se apegar aos personagens desse bagulho e dessa forma encontrar valor nele, mas aí isso já entraria em uma área bem discutível.

Da mesma forma que um jogo todo polido, quase totalmente livre bugs, ou um roteiro cuidadosamente escrito de modo que não deixe nenhum furo e nem nada do tipo, não são coisas objetivamente boas por não agradarem literalmente todo mundo também. Tem gente que acha tedioso, gente que não vê a mesma graça que eu vejo em algo assim, e disso vai sair uma discussão: Eu tento provar por A + B que o filme/anime em questão é bom porque é bem escrito e usa seus elementos muito bem, enquanto a outra pessoa... Sei lá, tenta discutir de volta e explicar o porquê dela não concordar que o roteiro do negócio é tão impecável assim, eu acho. De qualquer forma, o jogo polido ou o roteiro redondinho ali serem bons é um consenso, e não tem nada de errado com isso também, só não é uma prova de que são objetivamente bons.

Então sim, existe objetividade, porém ela não tem a ver com a obra ser boa ou ruim, mas sim com as coisas serem do jeito que elas são. Uma história inconsistente e cheia de furos é uma história inconsistente e cheia de furos, uma história coerente e bem contada é uma história coerente e bem contada. Goste ou desgoste dessas coisas por seja lá quais foram os motivos que você tiver, discuta com outras pessoas que pensam diferente e argumente pra provar o seu ponto, não fique falando de imparcialidade ou objetividade como uma forma conveniente de não precisar fazer uma ginástica mental pra defender o que você acredita por ser "objetivamente correto" ou algo assim. Eu fazia isso, e eu era bem ignorante nessa época.


Eu gosto de discutir, sinto que aprendo coisas novas com discussões, ao menos quando são discussões produtivas onde a outra pessoa apresenta uns argumentos que vão contra os meus e que também são bons argumentos. Eu não preciso concordar pra ser um bom argumento também, eu só preciso ver que tem sentido, que aquela pessoa sabe do que diabos ela tá falando e a opinião dela é válida apesar de ser uma opinião da qual eu discorde. É por isso que eu não me incomodo quando alguém discorda de mim, discordar é bom, isso pode me levar a conhecer a obra que eu tô defendendo ou criticando por outros lados, uma pessoa pode me mostrar uma coisa sobre essa obra que nem me passou pela cabeça antes, posso testar a obra em si e os meus motivos pra gostar ou desgostar dela, tem muito que aproveitar com isso.

Tem que ser muito egocêntrico e prepotente pra achar que só o que você diz está certo e qualquer outro possível ponto de vista que não seja de acordo com o seu é errado. Não que eu esteja dizendo que você precise respeitar todas as opiniões existentes, eu mesmo não faço isso, pra eu respeitar uma opinião diferente da minha, ela precisa me dar motivos pra ser respeitada também. Se um maluco tá dando a opinião negativa dele sobre algo que eu gosto ou positiva sobre algo que eu desgosto e tá falando um monte de merda sem sentido com uma atitude não-irônica de superioridade, eu não vou respeitar porra nenhuma não, vou lá mostrar que ele tá falando merda por causa de X ou Y. No entanto, não há nada de errado com uma opinião diferente da minha que seja bem articulada e tenha fundamento.

Agora eu acho que falei tudo o que quis falar a respeito desse assunto, e o próximo que eu ver por aqui ou por qualquer outro lugar falando "essa review não é imparcial" eu já vou chegar dando voadora. Tá avisado.

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