sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Review - Chrono Crusade (2003)


É isso então, finalmente uma review de anime nesse maldito blog! E qual outro desenho chinês melhor pra escrever uma primeira review dessa mídia do que um dos meus favoritos? Falo de nada mais e nada menos do que Chrono Crusade, ou "Chrno Crusade" pra quem prefere o famoso typo que fizeram no nome desse negócio, um anime que não tem absolutamente nada a ver com a série Chrono da Squaresoft! Eu sei, tem "Chrono" no nome e o logo da localização americana usa uma fonte idêntica à dos logos da série Chrono, especialmente Chrono Cross... Por algum motivo! Eu não sei como diabos a Square não acabou processando esses malucos, mas foda-se também, até porque esse logo da versão americana foi exatamente o motivo de eu ter assistido Chrono Crusade em primeiro lugar, eu fui seco no bagulho achando que era um anime que fazia parte da série Chrono ou algo assim, e no fim das contas não tinha nada a ver mesmo.

Chrono Crusade meio que tinha causado uma agitação na comunidade dos otacos fedidos nos anos 2000, e não é muito difícil ver o porquê disso levando em conta a época em que o anime foi transmitido. Em sua essência, isso aqui é um shounen de ação e... Mas o que diabos é isso? Mortes permanentes? Os atos dos personagens têm consequências? Um "romance" tabu entre uma freira humana e um demônio? Temas religiosos e uma abordagem cinza do conflito entre bem e mal? E um final que não parece tirado de um conto de fadas onde fica tudo feliz pra sempre? Oloco, bicho! É um shounen diferentão, que nem Fullmetal Alchemist!

Bem, eu não gostei tanto assim quando assisti Chrono Crusade pela primeira vez em 2006 por motivos que nem eu sei dizer hoje em dia, mas felizmente eu assisti Chrono Crusade novamente alguns anos depois e acabei apreciando esse anime bem mais do que na primeira vez. Se tornou um dos meus animes favoritos depois disso, e toda vez que eu o reassisto só fica melhor! Mas eu estou me adiantando um pouco demais aqui... Então, Chrono Crusade é um anime do estúdio Gonzo, o mesmo que produziu clássicos como Gankutsuou, Last Exile, Bokurano, NHK ni Youkoso e Full Metal Panic... E também produziu Final Fantasy Unlimited, Shangri-La e os animes de Gantz e Rosario to Vampire, e desses aí ninguém gosta. Pois é, esse é um estúdio complicado, mas eu gosto dele... Ou pelo menos gosto do que ele era nos anos 2000, hoje em dia não dá pra defender.

De qualquer forma... Chrono Crusade é um anime "adaptado" de um mangá de 1999 escrito por Daisuke Moriyama. Eu digo "adaptado" entre aspas porque esse anime é praticamente outra história criada em cima da premissa básica da obra original, mesmo a primeira metade dele que adapta material do mangá ainda o faz de um jeito bem liberal: Tem capítulos do mangá que não foram adaptados, as caracterizações de vários personagens estão diferentes, além de uma boa parcela dos episódios serem exclusivos do anime, então na segunda metade a história se diverge totalmente do mangá e vira por completo uma trama original do anime, com alguns eventos em comum, mas colocados em contextos completamente diferentes. Assim como Fullmetal Alchemist (o de 2003 em específico), essa história original foi bem planejada, o anime nunca foi pra ser realmente uma adaptação fiel por motivos de o mangá progredir mais devagar que o anime que logo logo o alcançaria. Ao invés de encher o bagulho de episódio filler enquanto espera o mangá ter material suficiente pra continuar a adaptar, ou adaptar fielmente e inventar um final original mal feito só pra fechar a história do anime ali, optaram por fazer o anime ser uma história original desde o começo, o que facilita pra entregar um produto melhor.

Então não falarei do mangá aqui a menos que faça sentido comparar, mas é melhor que eu tente ao máximo me focar apenas no anime e o ver como a sua própria história. Na verdade, isso é o que qualquer pessoa deveria fazer, afinal de contas... Usar o quão fiel um anime é a um mangá que ele não tem intenção de adaptar fielmente em primeiro lugar como padrão pra julgar a qualidade desse anime me parece uma coisa estúpida e sem sentido. Mas acho que sou só eu que penso assim, né? Pois até hoje tem gente que diz que Fullmetal Alchemist 2003 é ruim com o único argumento sendo o de não ser fiel ao mangá, e vez ou outra eu acabo vendo por aí gente dizendo a mesma coisa sobre o anime de Chrono Crusade também, um dia a humanidade evolui.

Chrono Crusade se passa na América da década de 1920, um período de prosperidade econômica, luxúria e agitação cultural, mas também uma época na qual a divisão entre os ricos e pobres se torna ainda maior após o fim da Primeira Guerra Mundial. Em épocas como essa, as criaturas demoníacas que se escondiam abaixo do nosso mundo começam a surgir e causar caos na superfície, e pra combater ameaças desse tipo, a Igreja Católica criou uma organização religiosa militar conhecida como Ordem de Madalena, com divisões espalhadas por todo o país e as mais influentes sendo as de Nova York e Chicago. Os dois protagonistas, uma freira chamada Rosette Christopher e o seu parceiro Chrono, são membros da divisão de Nova York da Ordem e frequentemente entram em missões pra encarar demônios que tão fazendo merda por aí e meter bala neles. Mas não é qualquer bala, são armas e munições específicas pra acabar com demônios, criadas através de métodos envolvendo coisas como água benta, magia, alquimia e afins.

Nosso par de protagonistas é bom quando se trata de exterminar os demônios, porém eles têm um pequeno problema pra minimizar os danos colaterais causados nos embates, o que acaba resultando em um pouco mais de destruição do que o que o pessoal da Ordem gostaria, e sermões da chefe, Irmã Kate. Apesar de serem apresentados pelo anime como um par de imbecis que acabam causando mais estrago do que os próprios demônios que eles caçam e vivem batendo boca um com o outro pelas suas diferenças de personalidade, Chrono e Rosette são amigos extremamente próximos e se encontram em uma situação meio que horrível.

Antes de qualquer outra coisa... Chrono é um demônio, porém diferente da maioria dos outros, ele é um demônio tranquilo, adorável e bondoso que não machucaria nem uma formiga, apesar disso ele é visto com maus olhos e até temido pela maior parte do pessoal da Ordem, em especial a Irmã Kate, por motivos compreensíveis até. Além desse pequeno detalhe, Chrono também tem um contrato com a Rosette, no qual ele basicamente usa a vida dela como fonte de energia pra lutar ou curar seus ferimentos, e pra manter o consumo da vida da Rosette no mínimo possível, ele usa uma forma semelhante a de um garoto adolescente ao invés da sua verdadeira que é... Um demônio bishounen bonitão sarado, o que provavelmente era o motivo de ter tanta menina que gostava desse anime na época. Mas enfim, o Chrono não se sente nem um pouco bem fazendo isso, ele tem total consciência de que tá matando a Rosette aos poucos e procura se transformar e usar qualquer tipo de poder apenas quando não há outra escolha, e a própria Rosette apesar de estar tendo a sua vida encurtada parece aceitar o seu destino inevitável.

Mas por que diabos eles fizeram esse contrato em primeiro lugar? Bem, quatro anos atrás, Rosette vivia em no Orfanato do Sétimo Sino junto com outras crianças e seu irmão Joshua, um garoto com poderes divinos e uma doença misteriosa que nem ele mesmo com seus poderes é capaz de curar, e tudo mudou no dia em que o ministro Remington da Ordem de Madalena chegou ao orfanato e disse que Joshua é um dos sete Apóstolos, pessoas abençoadas com os poderes de Deus, e que vão precisar levá-lo. Isso levou Rosette a fugir junto com Joshua pra uma floresta, e nisso eles acabaram indo parar na tumba da donzela santa Maria Madalena (não, não é a bíblica) que era guardada por Chrono, um demônio sem chifres à beira da morte.

Após ficarem amigos, Rosette, Joshua e Chrono passaram a se ver regularmente, em uma dessas "visitas" dos dois, o Chrono conta a história da Linha Astral, uma corrente celeste similar a um rio, normalmente invisível e composto por inúmeros fragmentos que quando combinados de formas diferentes se cria uma alma, e assim nasce a vida, que quando chega ao seu fim na Terra, se fragmenta de volta e retorna à corrente. Sim, lembra o Lifestream de Final Fantasy VII, só que sem a parte de poder ser extraído e usado como energia artificial... Mas pode ser usado como energia sim, inclusive é de onde os demônios tiram energia pra usar seus poderes, assim como também é de onde os Apóstolos tiram energia pra usar os poderes divinos deles. Joshua ficou muito empolgado com essa história e jurou que ele e Rosette explorariam a Linha Astral algum dia, mas aí alguns dias depois um demônio chamado Aion, que parece ter uma conexão com Chrono e estava com os chifres dele o tempo todo, surgiu e disse a Joshua que poderia curar a sua doença. Nisso, Aion fez com que Joshua ficasse com os chifres do Chrono, o que fez com que ele perdesse o controle de si mesmo e petrificasse o orfanato todo com o poder dos chifres, e depois Aion o levou pra longe.

Deixada sozinha e sem muita opção, Rosette se volta pro Chrono, que revela que os chifres são o que permite que os demônios obtenham energia da Linha Astral não só pra usar seus poderes, mas também pra se manterem vivos, e ele só está ficando cada vez mais fraco e próximo da morte sem os chifres. Após saber disso, ela aceita fazer o contrato com o Chrono pra que ele possa usar seus poderes a custo da vida dela pra ajudar a resgatar o Joshua, enquanto ela mesma se junta a Ordem de Madalena pra ficar mais forte e poder enfrentar o Aion e os outros demônios, assim como investigar com mais facilidade onde diabos o Joshua foi parar, na esperança de conseguir fazer isso antes da sua morte prematura inevitavelmente chegar.

A única total certeza que a gente tem na vida é que uma hora nós vamos morrer. Eu vou morrer, você que tá lendo também vai, as pessoas que você conhece vão, as que eu conheço também... Todo mundo uma hora vai bater as botas. Mas e se a sua vida estivesse acabando mais rápido e você talvez pudesse viver apenas por mais alguns anos? Mortalidade, perda, fé e o conflito entre bem e mal são os o temas centrais de Chrono Crusade, tanto a história que o anime conta quanto os arcos dos personagens giram em torno dessas coisas. Apesar de ter todo esse ar de tragédia, isso aqui não é um anime completamente sério o tempo todo, a princípio ele se apresenta como um shounen de ação descontraído com um tom um pouco mais sombrio do que o normal, mas não sombrio demais.

De um modo parecido com Fullmetal Alchemist, Chrono Crusade em seus primeiros episódios apresenta uma mistura de ação com drama e comédia... E infelizmente, assim como em Fullmetal Alchemist, a comédia é bem ruim na maior parte do tempo, com a maioria das piadas girando em torno de fanservice, com direito a um velho tarado conhecido como Elder, que trabalha criando os equipamentos que a Ordem usa pra lutar contra os demônios, basicamente ele gosta de teta e calcinha, é essa a piada dele toda santa vez, até chega a ter umas mudanças esquisitas de tom por causa dele. Mas ei, se Fullmetal Alchemist (especialmente o Brotherhood) pode sofrer desse mal e ainda ser considerado uma obra excelente, então Chrono Crusade também pode. E se você discorda, foda-se! Foda-se e morra!

Mas de um modo também parecido com Fullmetal Alchemist, as interações entre os personagens são impecáveis, especialmente as da Rosette com o Chrono. O contraste entre ela sendo uma garota forte cabeça-dura que se mete em problemas com facilidade e ele sendo só um cara mais de boa que não quer confusão proporciona momentos divertidos quando essas diferenças são colocadas em evidência. Mas o laço entre esses dois é mais forte quando dão foco nos elementos mais sérios dela, como o sentimento de culpa que o Chrono carrega por causa do contrato, a Rosette tentando parecer forte não só pra ele se sentir melhor, mas também pra convencer a si mesma de que tá tudo bem e que essa foi a escolha certa. O resultado disso é uma das relações mais tocantes e ao mesmo tempo trágicas que eu já vi, quando o Chrono e a Rosette brincavam entre si, eu me divertia junto com eles, quando eles se apoiavam em momentos difíceis, eu sentia meu coração se aquecendo, e nos momentos mais tristes, eu me sentia triste por eles. Isso é o quanto eu me apeguei.

E não, Chrono e Rosette não são os únicos personagens principais dessa porra, temos mais duas personagens no elenco principal: Azmaria Hendric, uma Apóstola cantora de coral que Chrono e Rosette salvam no primeiro arco do anime, e Satella Harvenheit, um par de tetas que pode invocar Stands mágicos através de joias, por isso ficando conhecida como a Bruxa das Joias! Essas duas também têm seus arcos de personagem, apesar de terem menos foco do que a Rosette e o Chrono, a Azmaria pelo menos é uma personagem bem realizada de modo geral... A Satella nem tanto, o anime não faz tanto uso dela quanto o resto do elenco, o que é uma pena, mas pelo menos ela ainda assim tem um arco decente.

Um ponto discutivelmente negativo do anime é que... Bem, apesar do nome Chrono Crusade, no caso do anime é bem óbvio que a protagonista da história é a Rosette, enquanto o próprio Chrono tá mais pra um protagonista secundário, diferente do mangá onde os dois são igualmente tratados como protagonistas. A personagem que mais desenvolve na obra é a Rosette, a história gira bem mais em torno dela do que o Chrono, outros personagens possuem paralelos com ela, e é quase sempre ela quem parte pra ação, enquanto o Chrono tá lá mais pra suporte do que qualquer outra coisa e só se transforma na sua forma verdadeira pra lutar em situações extremas. Isso faz sentido considerando o negócio todo do contrato, se o Chrono lutasse e usasse seus poderes o tempo todo, a Rosette não duraria muito, mas o mangá conseguiu contornar esse problema melhor do que o anime.

Eu pessoalmente não reclamo muito disso, porque o desenvolvimento da Rosette aqui é excelente. No começo da história ela é mostrada como uma garota idealista, brincalhona e forte que consegue manter uma atitude positiva e otimista apesar de toda a merda pela qual ela passou, reassegurando que ela tá ok. Porém, as coisas não são tão simples assim, e na medida em que a história progride, a Rosette vai dando sinais sutis de estar perdendo esse otimismo, essa atitude "Yeahhh man eu nunca desistirei, vamos lá!" de protagonista de shounen, e vamos vendo que na verdade ela é mais fraca do que deixa parecer, e o contrato dela com o Chrono tem um peso bem maior do que parece também. Isso não fica muito óbvio de cara, durante uma boa parte da história a Rosette ainda mantém essa atitude forte e otimista de sempre, mas quando ela acaba sendo pressionada psicologicamente, ela toma certas atitudes e decisões que podem até parecer questionáveis pra alguém, isso quando não faz algo contraditório ao que ela mesma disse nos episódios por volta do começo da série.

Essas atitudes questionáveis e contraditórias que a Rosette toma na medida em que o anime progride não são resultado de incompetência dos roteiristas, mas sim de ela ser apenas uma garota de 16 anos de idade que nunca realmente pôde aproveitar a infância direito por passar ela cuidando de um irmão doente, e agora não tá podendo aproveitar a adolescência direito porque tem que lutar contra demônios e salvar o irmão dela, tudo isso enquanto tá garantido que a vida dela na melhor das hipóteses vai durar até os 30 anos. É difícil se manter forte e positivo em uma situação dessas, qualquer ser humano teria medo, medo da morte em si, ou medo de morrer sem ter conseguido alcançar o seu objetivo, ou alcançar o objetivo e não ter mais tempo de vida sobrando pra aproveitar enquanto tá tudo feliz... A Rosette se encontra em um dilema, nenhuma das possíveis conclusões disso vai ser muito satisfatória no fim das contas, o jeito é buscar a menos ruim. É por isso também que algumas vezes a Rosette passa um tempo apenas se divertindo com o Chrono, a Azmaria e ocasionalmente a Satella, é importante que ela crie boas memórias com as pessoas próximas dela também pra não ter arrependimentos quando a morte chegar.

Uma das minhas cenas favoritas do anime é no episódio 18, basicamente o último episódio a ter qualquer resquício de clima positivo nesse anime. O momento perto do final quando a Rosette e o Chrono se separam dos outros durante o festival e ficam olhando a paisagem enquanto conversam sobre o quanto eles foram importantes nas vidas um do outro, e nisso o Chrono diz que não pretende viver por mais tempo do que ela, que após a morte dela, ele também deixaria de existir. Se essa fosse a Rosette lá do começo do anime, ela provavelmente mandaria o Chrono deixar de ser dramático e falaria que ninguém vai precisar morrer... Mas agora que ela tá encarando de verdade a situação toda e demonstra mais insegurança sobre o que pode acontecer no futuro, ela aceita essa decisão do Chrono, e os dois aparentemente se beijam... E logo depois desse momento romântico, a história muda de rumo pra um último quarto bem mais sombrio em comparação com o que teve antes.

E não, diferente do que alguns dizem, não é uma mudança de tom tão brusca assim, até porque Chrono Crusade sempre teve uma atmosfera sombria apesar de no começo ter uma narrativa mais voltada pra algo típico de shounen de ação com um pouco de comédia. O primeiro arco de história mesmo se trata de um vilão que foi uma vítima da Primeira Guerra Mundial e precisou fazer um pacto com um demônio pra manter o seu corpo cadavérico ainda animado, e em uma tentativa de trazer de volta a vida ao seu corpo antes que apodreça de vez, ele adota a Azmaria, que também perdeu seus pais na guerra e se tornou órfã, e tenta usar o poder que ela tem como Apóstola pra chamar a Linha Astral e colocar os fragmentos de vida dentro do corpo dele. Isso tá longe de ser algo leve, assim como os episódios que contam o passado da Rosette, o próprio contrato dela com o Chrono, os backgrounds trágicos da Azmaria e da Satella... Esses elementos mais sombrios sempre estiveram lá desde o começo, eles só não foram enfatizados como os últimos seis episódios do anime o fazem, mas a progressão da série rumo a algo mais sombrio sempre foi aparente...

... Com exceção de um único episódio da segunda metade do anime, o episódio 14 no qual o Chrono fica doente e a Rosette e a Satella saem por aí procurando medicina que funciona com demônios e tal. Apesar de bonitinho, esse episódio é bem dispensável, não acrescenta muita coisa na narrativa e quebra um pouco o clima sério que o episódio anterior deixou, mas é literalmente um episódio dispensável de 24. Outro episódio que eu não gosto muito é o 11, mas no caso desse é mais pelas mudanças de tom aleatórias por causa das piadinhas toscas com fanservice do que pela história que o episódio conta em si, que é sólida e faz um trabalho decente em demonstrar as caracterizações da Rosette e da Satella e os pontos de vista diferentes que as duas têm sobre essa questão de mortes e sacrifícios. Eu só acho que se esse episódio mantivesse um tom sério mais consistente, ele poderia aprofundar mais nesse debate, mas eh... Fazer o que? É o que tem. Todos os outros episódios são relevantes, no entanto, mesmo os que não avançam muito a história ainda desenvolvem os personagens e mostram mais coisas sobre o setting do anime.

Bem, eu falei um monte sobre a Rosette, mas ainda tem os outros personagens principais aqui, além do Aion, ele é um dos meus vilões de anime favoritos e eu tenho muita coisa pra falar sobre ele... Ok, vamos ser breves sobre os outros personagens com exceção desses dois, ou ao menos tentar.

O Chrono tem toda uma história que vai desde 50 anos atrás quando ele era um membro do grupo de demônios do Aion chamados de Pecadores por terem traído os outros demônios e causado caos no Pandemonium, o nome dado ao mundo dos demônios que é basicamente o Inferno desse anime aí, esse nome também é dado à mãe de todos os demônios que teve sua cabeça cortada fora por Aion durante a rebelião. Além disso, ele sequestrou a donzela sagrada que estava sendo protegida pela Ordem, Maria Madalena, que tinha o poder de prever o futuro e seria usada como ferramenta no plano de Aion. Acabou que Chrono e Madalena foram ficando próximos e depois de uma série de merdas que foram acontecendo, Chrono "traiu" Aion e os Pecadores e perdeu os chifres tentando proteger a garota quando Aion foi atacar ela. No fim das contas, ele ficou bastante ferido e precisou formar um contrato pra se curar às custas da vida dela, depois o Chrono colocou o corpo morto da Madalena em uma tumba e ficou o resto dos anos lá esperando pra morrer até um dia a Rosette e o Joshua o encontrarem.

Esse passado do Chrono com a Madalena só é revelado totalmente lá pelo episódio 21, e pra ser honesto eu achei que essa parte ficou meio rushada, essa sequência grande de eventos foi se passando rápido demais e em um só episódio a gente vê o Chrono conhecendo ela, tendo umas conversas e depois o momento da morte dela chegando. A história em si é boa, mas ela se beneficiaria bem mais se tivesse dois episódios dedicados a ela ao invés de tentarem resumir tudo em apenas um... Outro episódio que sofre com eventos rushados é o 23, onde ocorre a infame luta final de 30 segundos entre Chrono e Aion. Talvez teria sido melhor se Chrono Crusade tivesse 26 episódios ao invés de 24... Ou 25, basta cortar o episódio do Chrono doente lá, enfiar os eventos importantes dele em um episódio anterior ou posterior, e usar esse tempo de episódio pra desenvolver melhor o passado do Chrono, e aí o episódio extra seria pra luta final não ficar tão anti-climática quanto acabou ficando.

De qualquer forma, o arco de personagem do Chrono se trata disso, lidar com a perda que ele sofreu no passado enquanto aqueles eventos de antes meio que estão se repetindo agora com a Rosette. Há uns elementos de romance na relação dele com a Rosette, mas esse aspecto da relação deles é bem secundário, mas claramente ela é a pessoa que ele mais ama e quer proteger, e ao mesmo tempo é a pessoa que ele tá matando mesmo contra a própria vontade. É óbvio que ele se sente mal por isso, ele evita ao máximo usar os seus poderes na esperança de manter ela viva por mais tempo possível e tudo acabar ok, e apesar do foco que o anime dá nele ser consideravelmente menor que o que a Rosette tem, ele ainda é um personagem bem escrito e complementa a Rosette perfeitamente.

A Azmaria é uma Apóstola que, apesar de ter sido abençoada com esses poderes divinos através do seu canto, acabou sendo amaldiçoada com a capacidade de trazer azar a quem entrasse em contato com ela, e desenvolveu uma auto-estima quase nula, além de uma personalidade frágil e uma visão bastante auto-depreciativa de si mesma como resultado. Acontece que o status de Apóstolo da Azmaria após ter sido descoberto acabou tornando ela um alvo de pessoas que queriam usar os poderes dela pra benefício próprio, depois que seus pais morreram na guerra, ela foi sendo passada por famílias diferentes que depois de usá-la, a descartavam como se fosse um objeto. Os únicos companheiros de verdade que ela tinha era o pessoal de uma banda de coral com os quais ela passou a andar depois de ter se tornado órfã, mas ela também perdeu essa galera aí depois de ter sido adotada pelo Ricardo, foram devorados por demônios e ela não reagiu muito bem a isso.

Depois de ser resgatada pela Rosette e o Chrono e se juntar ao grupo de coral da Ordem, Azmaria começa a querer mudar, a querer ficar mais forte, mas a princípio esse desejo partia de um sentimento de culpa por causa das mortes que ocorreram pelo fato de que ela tem os poderes divinos, além de medo dos poderes dela em si, não era algo positivo. Ela realmente cresce quando aprende de vez a usar os poderes dela pra proteger as pessoas importantes pra ela, assim como também percebe que ela não só merece ser feliz como também é perfeitamente capaz de trazer felicidade às pessoas ao seu redor, por mais que essas leis de causa e efeito que vêm com os poderes dificultem isso. E o episódio onde esse arco se realiza de vez é o 12, também conhecido como o episódio de natal que a plebe diz ser filler ou inútil... Não, não é, bando de macacos incultos! Além desse episódio concluir o arco de personagem da Azmaria e a partir dele ela se sentir melhor consigo mesma, tem todo um significado simbólico no fato de que o episódio no qual a Azmaria supera o seu passado e aceita o seu status de Apóstola é um episódio de natal!

É, pra vocês que ficam aí com "MUH SIMBOLISMO!!!" com qualquer obra que mostre uma cruz ou contenha nomes/termos bíblicos e fica fazendo a maior punhetação mental possível pra tentar achar significado onde muitas vezes nem tem e os caras só botaram isso lá pra ficar esteticamente legal... Chrono Crusade tem simbolismo religioso que realmente significa alguma coisa, que traça paralelos visíveis entre elementos/personagens do anime e figuras bíblicas! Vou falar mais disso depois, por enquanto ainda não.

Porque agora eu preciso falar brevemente sobre a Satella... Que é provavelmente a personagem mais fraca entre os principais. Não fraca de força, mas de não ser uma personagem tão boa quanto os outros três principais, e parte do motivo disso é ela não ter tanto tempo de tela quanto eles. A Azmaria tá sempre junto com o Chrono e a Rosette, então a gente acaba acompanhando ela também por ficar envolvida direta e indiretamente com os assuntos dos dois, mas a Satella não, ela tá lá fazendo as coisas dela separadamente. Pois bem, a Satella tem uma vendetta pessoal contra demônios porque a família dela foi assassinada em um ataque de demônios e um demônio sem chifre misterioso raptou a irmã dela. Acho que já dá pra você adivinhar qual vai ser o desenvolvimento dela só por essa premissa: Ela odeia demônios, não se dá muito bem com o Chrono a princípio e depois vai mudando de ideia sobre ele... Pois é, o arco dela é meio comum, mas é bem feito pelo que é.

Os aspectos interessantes da Satella tão mais em como ela se compara com a Rosette, tendo uma motivação parecida e também tendo passado esse tempo todo procurando a irmã sem muito sucesso. E apesar disso, ela não poderia ser mais diferente por causa da criação que teve, diferente da Rosette, ela é rica e nunca realmente precisou da ajuda de ninguém pra buscar o objetivo dela, o que acabou tornando ela bem mais egoísta e manipulativa com as pessoas em comparação. Acho que o fim que ela acaba tendo na história durante a reta final é particularmente bonito: Ela acaba enfrentando a irmã dela, Fiore, que tava o tempo todo sob o controle do Aion e agindo como irmã mais velha do Joshua, encurralada na luta, ela percebe que é impossível trazer a irmã de volta do mesmo jeito que era antes e resolve matar não só a ela, mas também a si própria no processo, talvez a primeira e única vez na vida em que ela fez um sacrifício pelo bem de outra pessoa.

Além da galera principal aí, outros personagens mais secundários também têm seus arcos menores. A Irmã Kate no começo do anime não gostava nem um pouco do fato de que a Rosette andava por aí com um demônio junto, e ficou mais desconfiada do Chrono ainda depois de descobrir que ele tem alguma relação com o Aion. Mais tarde no anime ela é vista defendendo Chrono como um membro importante da Ordem e que a eles devem trabalhar junto com outros demônios que têm o Aion como inimigo em comum, apesar das várias críticas que recebeu dos membros do conselho por isso, ela não recua e com o tempo começa até a questionar a própria fé, apesar de nunca abandoná-la. O Ministro Remington também meio que tem um arco de personagem, mas é mas sobre a relação dele com Deus do que qualquer outra coisa, e não chega a ter muito foco também, infelizmente. Outros personagens como a Fiore e o Joshua também podiam ter sido melhor usados... A Fiore é provavelmente a pior ofensa, no mangá tem um motivo pro Aion ter raptado ela, já no anime aqui... Meio que não, a gente só assume que ele fez isso porque ter uma bruxa de joias lutando do seu lado talvez seja útil.

Mas ok, agora sim falemos sobre o vilão do anime, o tal do Aion.

Aion (pelo menos essa versão dele, já que o do mangá é um personagem completamente diferente) é um vilão um tanto único no sentido de que ele é uma aproximação bem mais literal do arquétipo de "Messias Sombrio" que costuma ser usado em obras de ficção, talvez ele até seja o mais próximo que eu já vi de um "Jesus invertido" em um anime até então. Inclusive ele até profere frases ditas pelo próprio Cristo no decorrer da história, quase como se estivesse ridicularizando ele de certa forma. Assim como muitos vilões desse arquétipo, Aion reúne seguidores através do seu carisma e de promessas de liberdade, tendo tanto demônios como os Pecadores do seu lado quanto humanos como o Joshua e outros que se tornam adoradores do Diabo e oferecem outras pessoas como sacrifícios a ele, lhe rendendo uma fonte enorme de energia vital pra usar como quiser, já que assim como Chrono, ele também não tem chifres, mas nesse caso ele mesmo arrancou seus próprios chifres, originalmente com a intenção de fazer um contrato com a Maria Madalena.

Mas diferente de muitos desses vilões, o Aion não tem intenções discutivelmente boas que dariam uma moralidade cinza ao conflito contra ele e o tornariam um personagem que "não fez nada de errado" como o Griffith de Berserk, por exemplo. Nada disso, esse cara é implacavelmente mau e manipulativo, as coisas que ele faz no decorrer da trama são repulsivas e ele não vê problema algum em sacrificar um ou dois aliados pra conseguir o que ele realmente quer: Destruir o equilíbrio entre Pandemonium, a Terra e os Céus pra causar um apocalipse e acabar com Deus. Aion fala bastante sobre Deus no decorrer desse bagulho, mas nunca é algo positivo, ele apenas destrói vidas, causa mortes, deixa pessoas psicologicamente quebradas, e questiona por que Deus não faz alguma coisa pra impedi-lo. Chega a um ponto que fica até meio difícil não concordar com o Aion... O que xerecas Deus tá fazendo? Se ele é todo poderoso e pode impedir o Aion, por que ele não o faz? Por acaso ele tá cagando pro que acontece com as suas próprias criações?

Se a imagem de Deus começa a ficar minimamente questionável quando vemos a suposta apatia dele com o que ocorre, isso se agrava depois quando o anime revela que os próprios demônios são ferramentas usadas por Deus pra manter a humanidade na linha, por assim dizer. Em tempos de prosperidade, as pessoas tendem a "abandonar" Deus por se sentirem bem, e por isso os demônios surgem em épocas como essa, fazendo com que as pessoas através do medo recorram a Deus e resgatem a fé. O que o Aion quer dizer com "liberdade" é a quebra desse status quo, acabando com Deus, ele não estaria mais sendo usado por ninguém, e nem os outros demônios que o seguiam... Apesar que obviamente ele pensa apenas em si mesmo. Mas calma! Eu sei o que você tá pensando, esse anime vai mandar um "religião eh ruim", "Deus eh mau" ou algo derivado disso no fim das contas, né? Não, não é bem assim, eu diria que o que Chrono Crusade tem a dizer sobre religião é que ela tem a capacidade de manifestar tanto os melhores quanto os piores aspectos do ser humano, e que Deus é uma figura misteriosa que ninguém realmente conhece ou entende, mas mesmo assim muitos sustentam uma fé cega nele.

Além de ter criado os humanos em primeiro lugar, Deus também deu a eles os meios de enfrentar os demônios, além de dar uma parcela do seu próprio poder pra sete humanos específicos poderem usar. Mas Deus também deu aos humanos o livre arbítrio, e infelizmente há quem acabe usando isso pra fazer o mal em benefício próprio, como aqueles que usaram a Azmaria, ou os adoradores do Diabo, sem falar das guerras e mortes que os próprios humanos causam. De que forma Deus seria o culpado disso? As pessoas fizeram essas coisas por livre e espontânea vontade, agora elas que lidem com as consequências dos seus atos, oras! De certa forma, o livre arbítrio também se aplica aos demônios, mesmo que a natureza deles seja destrutiva e a função deles seja representar um mal aos humanos, nada os impede de escolher ir contra isso como o Chrono o faz. Enquanto a maioria dos demônios são maus, no decorrer da série vemos outros como o Duke Duffau, que propõe que os demônios do seu grupo e a Ordem trabalhem junto pra acabar com o Aion, e então vemos cenas de demônios e membros da Ordem interagindo normalmente como se convivessem um com o outro, um deles até protege aquelas freiras amiguinhas da Rosette no meio da luta entre eles e os Pecadores, e também acaba se sacrificando pra proteger a própria Rosette.

E ainda assim, mesmo estando fisicamente ausente, dá pra discutir que na verdade Deus sempre esteve de olho nos eventos que aconteciam na história de Chrono Crusade e havia planejado tudo aquilo, agindo apenas quando lhe convém. A Rosette, de todas as pessoas, acabou sendo escolhida por ele pra ser a sucessora da Maria Madalena, com as marcas sagradas aparecendo pelo seu corpo em horas estranhamente específicas que favorecem o lado do bem, como se ele estivesse realmente usando até mesmo o Aion como marionete sem que o mesmo perceba. Pode talvez parecer um tanto pessimista olhar pra Deus dessa forma, mas é uma das perspectivas que mais ressoam comigo, pra mim Deus é um ser que eu não conheço e nem faço ideia de qual diabos seria o plano dele, mas que aparentemente tem a mim e a todo mundo na palma da sua mão, por bem ou por mal. Isso é bom? Ruim? Acho que depende de como você olhar, no episódio final mesmo vemos personagens questionando a própria fé, apesar de escolhendo mantê-la com alguma esperança.

Fé é uma questão muito individual e íntima, cada um tem ou não tem por uma infinidade de motivos diferentes e até por isso eu acho idiotice quando as pessoas discutem isso e ficam tentando impôr a própria fé uma pra cima da outra. A intenção de Chrono Crusade não é fazer você largar a sua fé ou algo assim, mas sim usar essa perspectiva diferente pra te fazer refletir sobre ela. Isso é feito bem cuidadosamente pra não parecer que o anime quer forçar uma visão específica a respeito de Deus e religião no geral, com personagens que apresentam pontos de vista variados sobre o assunto e nenhum sendo realmente retratado como certo ou errado. E sim, isso inclui o Aion... Ele pode ser o vilão da história e fazer coisas horríveis, mas o que ele questiona sobre Deus continua fazendo pelo menos algum sentido, especialmente porque muitas pessoas também ecoam esse pensamento dele, desde bem antes desse anime ter sido lançado até.

Inclusive, no último quarto do anime o Aion, após causar uma espécie de apocalipse em pequena escala na América, usa a Rosette que ele transformou em uma santa corrompida controlada por ele pra realizar "milagres" pras pessoas desamparadas com toda a destruição e assim ganhar a total confiança delas, se apresentando como um salvador. Isso não só mostra como as pessoas são fáceis de manipular quando uma figura de um salvador aparece na frente delas durante uma crise, como também reforça a ideia de que as pessoas costumam se lembrar de Deus mais em tempos ruins do que em qualquer outra situação. E qual é o motivo que foi anteriormente estabelecido no anime pros demônios surgirem e atacarem os humanos? Pois é, quando elas vivem tempos de prosperidade e acabam de certa forma esquecendo da sua fé.

O fato de que Chrono Crusade se passa em um passado alternativo que mais ou menos se conecta ao nosso presente também ajuda a criar um senso de imersão, como se eu pudesse estar sendo parte de uma história parecida no mundo real, mesmo obviamente não sendo esse o caso. Mas é por isso que o último episódio é tão perfeito e não poderia ter sido de nenhuma outra forma, a reta final como um todo toma um clima apocalíptico e é bastante brutal com os personagens principais, e o último episódio não dá um final muito feliz a essa parte da história que já tava ficando bem deprimente antes mesmo dessa conclusão. É um final extremamente trágico: Todos os personagens principais com exceção da Azmaria estão mortos, o Joshua foi salvo, mas ficou com uma espécie de dano cerebral causado pelos chifres do Chrono que tavam na cabeça dele, o mundo de forma geral se encontra num estado pior do que ele estava no começo do anime e Deus já escolheu os próximos sete Apóstolos e a próxima santa.

Eventos históricos que afetaram o mundo todo negativamente como a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial se passam, e como um chute final que o anime dá nas suas bolas (ou tetas, se for mulher), rola um time skip de décadas no qual é mostrado do ponto de vista de um Remington quebrado e desiludido que o Aion continua vivo, e aparentemente causou ou esteve por trás da tentativa de assassinato do papa João Paulo II em 1981! Essa última cena com o Remington vendo o Aion possivelmente indo tentar assassinar o papa é algo meio aberto a interpretações, há quem ache que o Aion sobreviveu à luta entre ele e o Chrono antes e agora simplesmente voltou sem ninguém sobrando pra impedi-lo, há quem ache que Deus trouxe o Aion de volta pra repetir o ciclo no qual ele é usado como ferramenta pra testar a fé de todo mundo e no fim impedido por algum salvador que também teria sido escolhido por Deus. Também já disseram que o Remington ficou meio maluco vendo esses anos se passarem sem poder fazer nada, e aí o Aion ter aparecido ali na frente dele foi só um delírio mesmo... Ou que na verdade o Aion não tá realmente vivo e só aparece ali como uma representação de que o mal continua existindo no mundo.

Independente de qual seja a sua interpretação pro que diabos ocorreu nessa última cena, eu acho que o mais importante não é o que acontece na cena em si, mas sim o que ela representa tematicamente. Sim, eu vou dar uma de Quadro em Branco aqui e tentar explicar o significado e o subtexto da última cena de Chrono Crusade que dura cerca de um minuto, depois de zoar o Quadro em Branco por fazer esse tipo de coisa... Eu sou hipócrita mesmo, foda-se, agora me chamem de desconstrução de reviewer de anime por ser hipócrita e humano comparado com os reviewers clichês que existem por aí!

Uma das reclamações mais comuns da plebe sobre esse final é que ele supostamente tornou a história toda inútil ou nula... Dá pra entender o porquê de pensarem assim, afinal de contas o Chrono, a Rosette e os outros fizeram todo aquele sacrifício e aparentemente salvaram o mundo, pra umas décadas depois o Aion aparentemente voltar e continuar fazendo as merdas dele por aí como se nada tivesse acontecido. Mas isso é uma visão tão superficial e burra desse desfecho que dá vontade de mandar a pessoa assistir o anime de novo até entender o porquê do final ser desse jeito e por que ele só funcionaria se fosse assim. É óbvio que apesar de toda essa putaria sobrenatural de demônios, magia e tal, o mundo de Chrono Crusade espelha o nosso, os locais nos quais a trama se passa são locais que existiram historicamente ou ainda existem aqui, e os eventos referenciados também ocorreram aqui. Tendo isso em mente, você acha que um final completamente positivo com o mundo salvo do mal e todos felizes para sempre faria sentido? Pois é, não faria, porque isso não é uma realidade aqui também.

Mesmo 16 anos depois do lançamento desse anime, nós ainda vivemos em um mundo que tá longe de ser um lugar feliz, muitas coisas ruins acontecem com muitas pessoas e lugares pra todo lado, e provavelmente vai continuar assim por mais e mais décadas. E mesmo que haja pessoas como Rosette e Chrono, que trabalham duro pra tornar esse mundo um lugar melhor, elas não são capazes de realmente consertar esse mundo e torná-lo feliz, mas os atos delas têm um impacto positivo, eles trazem esperança pro mundo e o impedem de sucumbir ao mal. Após as mortes dessas pessoas, cabe a outras preencher o espaço que elas deixaram e continuar a fazer o possível pra que o mundo se mantenha na luta contra o mal que continua nele e não parece que vai embora tão cedo, isso também acontece no anime com última cena da Azmaria que indica que ela vai seguir os passos da Rosette, além dos já mencionados novos Apóstolos.

Se a Rosette e o Chrono não tivessem conseguido impedir o Aion antes, o mundo teria sido misturado com o Pandemonium e os Céus e acabaria em um estado caótico irreversível, mas graças a eles isso não aconteceu e o mundo ainda tem uma chance de continuar. Esse é o legado que eles deixaram, não o fato de que eles mataram o Aion e acabaram com o mal definitivamente ou não, o anime nunca nem foi sobre isso em específico e sim sobre a ambiguidade em volta de uma figura como Deus e o peso que o conflito entre bem e mal têm sobre tudo. Como diz a última frase do anime antes dos créditos do episódio final: "Não podemos fazer nada além de ver os tempos passarem, seguindo o caminho que Deus escolheu..."

Existem alguns defeitos menores no anime, como algumas imprecisões históricas e uns momentos de fanservice completamente fora de lugar, mas nada disso chega a comprometer a narrativa e os temas que ela aborda. Os visuais e a animação são decentes, na maior parte do tempo Chrono Crusade é até um anime bonito pra algo lançado em 2003, apesar do traço dos personagens ter envelhecido um bocado, os cenários e backgrounds ainda são muito bons e capturam bem a atmosfera da América dos anos 20. Mas como isso é um anime da Gonzo, tem sempre um ou dois episódios em que parecem ter chamado os estagiários pra desenhar e animar, com personagens parecendo fora dos seus modelos originais e animações no máximo medíocres... Mas com exceção desses episódios específicos, eu diria que esse é um anime visualmente agradável, as cenas de ação são legais também, apesar de eu não gostar nem um pouco dessa aura amarela que deram pros demônios, honestamente não combina nem um pouco com eles.

Por mais que pareça tentador assistir isso com a dublagem americana, levando em conta a ambientação ocidental... Não, por favor não faça isso. A dublagem americana é péssima e não tem nem metade da emoção que a japonesa tem, especialmente em cenas como a morte do Chrono e da Rosette, que no original a dubladora da Rosette soa tão convincente que eu fico me perguntando se ela realmente chorou de verdade enquanto dublava... E na versão americana é... Bem... Isso aqui. A trilha sonora tem uma pegada de jazz característica das tendências musicais da época, apesar que as minhas músicas favoritas são as dos momentos mais melancólicos mesmo, grande parte do motivo da cena do Chrono e a Rosette no festival ser uma das minhas favoritas é essa música que toca bem quando ele diz que não pretende viver mais do que ela. Dito isso... Bem, a opening, Tsubasa wa Pleasure Line é boa, apesar de ser um tanto padrão de opening de anime, junto com a animação que rola com ela. Mas a ending, Sayonara Solitaire, é uma das minhas endings favoritas de todas, especialmente depois do último episódio do anime, você pode ver ambas aqui.

Por fim, Chrono Crusade continua sendo um dos meus animes favoritos de todos, são até poucas as obras que me tocam do mesmo jeito que essa tocou quando os seus temas centrais foram aos poucos tomando o foco que antes estava mais em ação e comédia. O último episódio foi uma das poucas obras de ficção que chegaram perto de me fazer chorar (as outras sendo o final ruim de Breath of Fire II e a cena do Tio Ben em Homem-Aranha 2) e a história toda ao mesmo tempo me fez refletir sobre muita coisa, foi com certeza uma experiência que eu não costumo ter com animes. Por isso eu queria que esse fosse o primeiro anime a ter uma review nessa caralha aqui, além de ter sido um anime bem importante pra mim, ele não tem lá a melhor das reputações, em grande parte por não ser fiel ao mangá e isso o tornar alvo de críticas de gente que gostou do mangá... Mas também já vi algumas críticas fora desse nicho. E como eu vou defender esse anime até o dia da minha morte, eu quis me preparar bem pra escrever essa review, então resolvi até ler algumas reviews negativas desse anime pra ver se tem alguma falha grande nele que eu não percebi... E não, honestamente todas as reviews negativas de Chrono Crusade que eu parei pra ler e até reler não fizeram o menor sentido.

Talvez seja um pouco difícil de acompanhar pra algumas pessoas, especialmente aquelas que não possuem lá muita noção de mitologia cristã. Pra explicar esses elementos melhor pro pessoal que boiou com a história simplesmente usando eles lá, até fizeram um extra chamado Azmaria's Extra Classes onde explicam essas coisas em mais detalhes e é honestamente bem útil pra quem ficou meio perdido no anime e tem interesse em reassistir pra entender melhor depois, admito que o anime exige um pouco de familiaridade com esses conceitos. Dito isso, Chrono Crusade um excelente anime, além do uso inteligente de simbolismo e elementos religiosos pra transmitir mensagens que mesmo hoje em dia são relevantes, os personagens (a maioria deles, ao menos) são bem desenvolvidos, e diferente de muitos outros shounens, a história desse não tem medo algum de ser trágica e imprevisível, e também consegue evitar fazer isso de uma maneira forçada, sem ser tragédia só por ser tragédia.

Nota: 9

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