quarta-feira, 6 de maio de 2020

A questão dos fillers e das histórias originais em animes


Uma coisa que eu vejo muita gente da grande comunidade de desenhos chineses fazer é usar o termo "filler" de uma forma que tá mais frequentemente errada do que certa, assim como automaticamente ver filler como algo negativo, como se a mera ideia de um anime baseado em um mangá, Light Novel ou o que for, ter um episódio que não seja diretamente adaptado do seu material de origem fosse automaticamente uma merda porque não é um episódio mostrando o que o autor escreveu. Pois eu estou aqui pra consertar essa visão e mudar o estigma negativo que rodeia os fillers e conteúdos originais em animes adaptados ou parcialmente adaptados, afinal não é só porque os fillers de Naruto são tão bons quanto fazer um exame de próstata com o Freddy Krueger que significa que qualquer outro anime também siga esse meme aí.

Antes de qualquer outra coisa, vamos definir aqui o que é um filler, a tradução literal disso é algo como "enchimento", ou "enchedor", basicamente algo criado pra encher linguiça, ocupar espaço. Se tratando de animes que são adaptações de mangá, isso significa que o anime está chegando perto de alcançar o ponto onde o mangá parou, então o estúdio precisa dar um tempo pro autor do mangá criar material suficiente pra continuarem adaptando, afinal eles têm um contrato e precisam manter o anime na programação do canal de TV que passa ele. Qual a solução pra isso? Exatamente, criar episódios com conteúdo original inventado pelo estúdio do anime pra ir ocupando espaço até o mangá estar bom pra adaptar novamente! É por isso que Naruto tem tanta merda aleatória entre os arcos de história adaptados do mangá, especialmente o Shippuden que eu não tive nem saco pra ver inteiro, e nem tenho interesse em continuar, de qualquer forma. 

Pra ser justo, isso não é só com Naruto, esse anime apenas se tornou o posterboy de filler pela quantidade notória desses tipos de episódios/arcos que se encontram na série e a baixa qualidade da maioria deles, mas Dragon Ball Z também sofreu com isso, além da Toei ter precisado deixar o ritmo de certos episódios e lutas bem mais lento, Samurai X depois de Kyoto é um monte de arcos filler que variam de bacaninha pra "puta que pariu que desgraça é essa", e eu não assisti Bleach, mas ouvi falar que é outro inferno de fillers. Mas ok, esses são exemplos de animes com fillers ruins, fillers que em sua maioria não oferecem nada de interessante, ou são histórias completamente avulsas e esquecíveis, ou tentam reciclar histórias que já vimos antes no mangá, só que piores. 

Hoje em dia é até meio raro um anime adaptado de mangá precisar de fillers, ou pelo menos todos os estúdios que não se chamam Pierrot estão adaptando mangás shounen mainstream de modo que a quantidade de fillers seja quase nula. A Madhouse adaptou Hunter x Hunter em 2011 e não teve nenhum filler exceto os episódios de recap, a Bones tá aí adaptando Boku no Hero Academia até hoje e quase nada de filler, a A-1 Pictures adaptou Magi e creio eu que não há nenhum episódio inteiro que seja filler, tampouco em Nanatsu no Taizai, que é outra adaptação desse estúdio, Wit Studio também tá adaptando Shingeki no Kyojin sem filler nenhum. Como eles estão conseguindo adaptar tudo direitinho assim? Simples, dividindo os animes em temporadas e dando uma boa quantidade de tempo de uma temporada pra outra, assim o mangá vai ter avançado o suficiente pra garantir a próxima temporada livre de fillers! 

Mas por que filler tem que ser uma coisa ruim que todo estúdio deve evitar, afinal? Quer dizer, fillers de certa forma são uma oportunidade de explorar coisas do universo dessa história que o mangá nunca explorou, podemos ver personagens que o mangá normalmente ignora sendo trazidos pros holofotes e tendo episódios ou arcos dedicados a explorá-los, podemos ter mais worldbuilding, talvez lados diferentes dos personagens principais, ou mostrar eventos que o anime nunca entrou em muito detalhe... Existem diversas possibilidades de coisas boas que podem vir de fillers! Então... Por que tanto filler ruim? Por acaso existe anime que tenha fillers bons? Pois saiba que a minha resposta é um sim, existe.


Aqui está, Hunter x Hunter! Não o de 2011, o primeiro anime mesmo, lançado em 1999.

E sim, eu vou ter que voltar pro formato em que as imagens ficam no meio e ocupam um puta espaço do texto, porque essa BOSTA de novo editor do Blogger não me deixa alinhar elas pra esquerda e colocar o texto do lado delas, só embaixo, o que derrota a porra do propósito de ter essa opção pra começo de conversa. Vai tomar no seu cu, Blogger! Google! Sei lá quem foi o responsável por isso, mas vai dar pra um cavalo, seu merda!

Enfim, eu perguntava pro pessoal se o Hunter x Hunter de 1999 era bom, mas sempre acabava recebendo respostas como "Não, HxH antigo é uma merda, é cheio de filler", "A história é muito enrolada", "Não tem Chimera Ants", e por aí vai. Mas foda-se, decidi dar uma chance mesmo assim, com expectativas baixas porque na minha cabeça ia ser um Naruto de 1999 e a maior parte do anime se consistiria de conteúdo inútil, provavelmente me arrependeria dessa decisão. Pois então, pra minha surpresa, a versão de Hunter x Hunter da Nippon Animation faz um uso bem inteligente de fillers, tanto que provavelmente ninguém desconfiaria que são fillers se o mangá por acaso não existisse. E o motivo disso é bem simples: Os fillers de Hunter x Hunter expandem a história do original de modo natural, se encaixando bem o suficiente pra parecerem que pertencem a ela. Não há muitos episódios inteiros de filler nessa versão também, normalmente eles misturam material do mangá com cenas originais do anime, mas alguns episódios do arco do Exame Hunter são completamente filler sim.

Independente disso, o que Hunter x Hunter faz é explorar coisas que o mangá e/ou o anime de 2011 não detalharam muito, o primeiro episódio dele demonstra bem isso se comparado ao primeiro episódio do anime de 2011 e o capítulo 1 do mangá, todos os três introduzem o Gon, a sua motivação pra se tornar um Hunter e e exploram um pouco da relação dele com a sua tia, Mito... Se eu fosse um canastrão do caralho, eu faria uma piada com o Bolsonaro aqui, mas não farei. Uma coisa que o anime de 2011 omitiu do seu começo por algum motivo foi a aparição do Kaito e o primeiro encontro que o Gon teve com ele, e eu realmente não faço ideia do porquê disso... Sim, eu sei que depois esse encontro é mostrado quando o Kaito aparece no começo do arco das Chimera Ants, mas pra que essa mudança? Ter esse encontro no começo é importante, não só estabelece uma ligação com o Kaito desde o começo como também dá um contexto melhor pra decisão do Gon de se tornar um Hunter depois, já que foi o Kaito quem revelou que o pai dele, Ging, na verdade tá vivo, que ele é um Hunter e tudo mais. Do jeito que o anime de 2011 retratou, ficou parecendo que o Gon quer ser um Hunter porque sim, ou porque o pai dele é um e nada mais.

Mas ok, nesse caso aí eu apenas apontei uma coisa do mangá que o anime de 1999 adaptou no começo e o de 2011 não, e quanto ao filler? Bem, ele explora um pouco mais do passado do Gon além do simples fato de que o Kaito o salvou e explicou tudo sobre Ging e os Hunters, vemos que o Gon não ficou muito feliz em saber que o seu pai aparentemente o abandonou, o Kaito fica em dúvida se o que ele fez foi realmente necessário, já que a vida do Gon com a sua tia era tranquila e feliz na maior parte do tempo... E principalmente, o conflito entre a Mito e o Gon tem mais foco. Ela não quer que ele vá embora, os dois discutem isso um bocado, inclusive a conversa deles a respeito do motivo do Gon se tornar um Hunter nesse anime é muito melhor do que o do mangá ou a versão de 2011, enquanto nos outros dois ele basicamente diz "Eu sei, o meu pai me abandonou pra virar um Hunter, isso é incrível! Ser um Hunter deve ser foda mesmo! *-*", aqui ele diz "Deve ser um trabalho muito digno, pra ele ter que abandonar o próprio filho pra isso", mostrando que o Gon tem alguma maturidade, apesar de ainda ser uma criança. Esse anime também mostra a Mito dando ao Gon a vara de pescar que ele usa no decorrer da série, que antes pertencia ao Ging, e foi só com essa vara que ele finalmente conseguiu pegar o peixão lá e provar pra Mito que ele está preparado pra ser um Hunter.

Uma coisa que no anime de 2011 demorou poucos minutos e no mangá algumas páginas, o anime de 1999 pegou e transformou no foco principal do primeiro episódio, deixando a despedida do Gon pro fim dele, além de fazer algumas mudanças de caracterização que ao meu ver ficaram melhores. O Gon ter um ressentimento do Ging a princípio logo após descobrir que ele foi "abandonado" faz sentido, ainda mais quando ele era uma criança de 10 anos naquele flashback, mostrar o lado da Mito também foi uma ótima decisão que ajuda o público a se conectar melhor com ela, assim como a dá mais ênfase no quanto o Gon é importante pra ela e vice-versa, e isso acabou tornando a cena da despedida deles no fim do episódio mais impactante, foi um excelente primeiro episódio. O ritmo é mais lento que o do mangá ou o anime de 2011? Sim. Essas porções filler são necessárias pra entender a história? Não exatamente. Porém graças a esse filler, os personagens principais do episódio tiveram uma caracterização bem mais forte, pegando o material do mangá e acrescentando coisas sem destoar demais da visão do Togashi.

A norma pros fillers desse Hunter x Hunter é basicamente essa, mais adiante através dos fillers também vemos coisas como a história do passado do Leorio que o anime de 2011 apenas menciona, o treinamento do Kurapika antes do arco de York Shin, além de alguns personagens secundários que participaram do Exame Hunter sendo um pouco mais explorados, em especial o Pokkle e a Ponzu e como eles acabaram ficando amigos. O Togashi aparentemente gostou disso, já que quando os dois apareceram de novo em Chimera Ants, eles já estavam juntos, mas como o mangá e o anime de 2011 nunca chegou a mostrar eles interagindo antes, ficou esquisito e a gente apenas tem que assumir que eles ficaram amigos em offscreen. Mas não no absoluto chad Hunter x Hunter de 1999 que mostra eles interagindo e trabalhando juntos! 

E mesmo alguns fillers mais inúteis ainda são divertidos até, aquele com os finalistas do exame tentando adivinhar qual vai ser o teste final e achando que seria um teste escrito, aí tentando arrumar maneiras de colar porque eles não estudaram porra nenhuma foi hilário. Claro, nem todos os fillers desse anime são bons, às vezes têm uns fanservices bizarros do Kurapika com o Leorio, ao ponto de eu até chegar a acreditar que talvez o diretor pensou que o Kurapika fosse uma garota... E os fillers do arco da Família Zoldyck são bem chatos, mas de modo geral, os fillers do Hunter x Hunter de 1999 são muito bons, me fizeram gostar mais de uns personagens que quando eu assisti só o de 2011 eu não liguei nem um pouco.

Dito isso, eu não sei se existem muitos outros animes com muitos fillers bons assim, o que me vem na cabeça agora é Gintama, aparentemente grande parte do anime é filler e eu nem teria percebido se a minha amiga que tava assistindo comigo não tivesse me falado. Tem Cardcaptor Sakura, que eu nunca assisti, mas diz essa mesma amiga também que metade do anime é filler e os fillers são bons, então confiarei na palavra dela. Se você por acaso conhece algum outro anime com bastante filler e a grande maioria deles são bons, diga aí nos comentários.

Não, Fullmetal Alchemist não é filler, antes que você desça na porra da seção de comentários e bote isso como o asno que você é.


Caso você tenha passado os últimos 17 anos hibernando e acabou de acordar agora, Fullmetal Alchemist tem dois animes: Um lançado em 2003 e o outro, Brotherhood, em 2009. No entanto, o foco do post aqui é o anime de 2003, que havia sido lançado enquanto o mangá ainda estava em andamento e nem havia progredido tanto assim... Então o que exatamente o pessoal da Bones fez? Encheu o anime de fillers enquanto o mangá progredia o suficiente pra ser adaptado? Não, na verdade Fullmetal Alchemist não é nem uma adaptação de verdade do mangá, ao contrário do que muitos acreditam. Sim, eu sei que há muitas coisas do mangá nos primeiros 25 episódios do anime, mas ainda assim ele não é uma adaptação, é uma história original que usa coisas da história do mangá como base. Foi planejado pra ser assim desde o começo, tanto que mesmo na parte "fiel" ao mangá ainda há muitas diferenças entre as duas versões em certos eventos, essas diferenças têm um propósito, elas estão estabelecendo ou indicando elementos que a história original do anime vai elaborar mais depois. O Brotherhood é a adaptação mais fiel, apesar de fazer umas cagadas no começo da história e mudar as ordens de alguns eventos, mas assim que passa do começo é uma adaptação fiel.

Sites como o Filler List acabam espalhando desinformação quando classificam qualquer episódio do anime que não seja diretamente adaptado do mangá como filler, e isso tá errado porque tem uma diferença bem grande entre o filler e a história original do anime. Como eu disse antes, filler é algo que tá ali pra encher linguiça, ocupar espaço enquanto o anime não pode voltar a adaptar o mangá, já uma história original é algo independente do mangá, o anime já divergiu na sua própria história e não vai voltar a adaptar o mangá depois, logo não faz o menor sentido dizer que os episódios dessa história original são fillers, eles não estão preenchendo espaço pra nada e são episódios relevantes pra história do anime. De que forma os episódios 11 e 12 de Fullmetal Alchemist seriam filler se a história contada neles introduz as pedras vermelhas, cópias artificiais da Pedra Filosofal que passam a ser um elemento importante da história desse anime? Pois é, como eu disse, a classificação de filler não faz sentido.

Fullmetal Alchemist não é o único anime a ter uma história original que usa a premissa e alguns eventos do mangá como base, outros animes como Chrono Crusade, Planetes e Bokurano seguem a mesma ideia e são histórias originais perfeitamente boas por si mesmas também. Todos esses animes citados têm temas em comum com os seus mangás, mas normalmente as abordagens são diferentes, ou então um aspecto do mangá é explorado mais a fundo, Fullmetal Alchemist pega o tema de fé cega e se adaptar à realidade que a primeira história do mangá contou e torna esse o tema central, Chrono Crusade pega o simbolismo religioso do mangá que tava lá só por estética legal e fazer ele significar alguma merda de fato, com a sua história montada em cima desse tema de religião, e por aí vai. Vale também ressaltar que todos esses animes aí nunca foram planejados pra ser adaptações fieis, desde o começo eles foram produzidos como histórias originais e por isso eles funcionam bem, diferente de outros que fazem um uso bem porco de material original.

Se por um lado tem esses animes com histórias originais bem planejadas, por outro tem animes como Claymore, Pandora Hearts e Akame ga Kill, que são adaptações geralmente fieis até chegar nos 45 minutos do segundo tempo e de repente virar uma história original relâmpago inventada pra história do anime não ficar num cliffhanger... Normalmente finais assim não são satisfatórios, as partes originais surgem do nada e quase sempre nem ao menos fazem sentido com o resto do anime, isso quando de qualquer forma o bagulho não acaba terminando com cliffhanger mesmo assim, o que acaba derrotando o propósito de ter o material original ali de qualquer forma. Bem, Akame ga Kill já tava ruim bem antes do material original, mas os outros dois aí não, e é uma merda ver as histórias deles sendo desperdiçadas com um final original mal feito que só tá ali porque o anime não vai ter mais temporadas e os caras querem finalizar aquilo de alguma forma. Esse tipo de coisa é o que diferencia material original bom de ruim, e admitidamente quando eu vejo isso sendo colocado na mesma categoria que Fullmetal Alchemist ou Chrono Crusade de "ruim" só por não ser adaptado do mangá, eu fico um pouco irritado e sinto uma leve vontade de mijar na cara da pessoa que tá fazendo isso até ela morrer afogada.

E se você tem algum problema com animes adaptados de mangás que adotam histórias originais simplesmente por não ser a mesma história que a do autor do mangá, ok, eu acho essa opinião incrivelmente retardada, mas respeito o seu direito de tê-la. Caso você tenha interesse em mudar de ideia, no entanto, é só passar a enxergar o mangá e o anime como se fossem universos paralelos, algo como as 500 versões diferentes do Homem-Aranha que existem por aí, são visões/interpretações de autores diferentes de uma mesma obra, e não são mais ou menos válidas que a do autor original por isso, só podem ser apenas histórias melhores ou piores por motivos variáveis.


Brincadeiras à parte, espero ter esclarecido as coisas com esse post, porque quase todo dia me aparece um fazendo essa confusão e eu apenas julguei que seria conveniente deixar esse texto aqui, provavelmente as pessoas o acharão através de pesquisas no Google e estarão mais informadas como resultado! Como sempre, se tiver alguma coisa errada nesse post, é só falar que eu dou um jeito de deixar de ser burro e corrigir a merda que eu falei, afinal de contas isso aqui é um blog sério e profissional, e desenhos chineses são sérias buzinas.

Dito isso, assistam os dois Fullmetal Alchemist, os dois Hunter x Hunter, Chrono Crusade, Bokurano, Planetes, não assistam Akame ga Kill, leiam Pandora Hearts e sejam felizes nessa quarentena aí. Adeus!

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